ANIQUILAÇÃO

EXISTEM DUAS PAIXÕES que eu herdei do meu pai. A primeira é viajar. Mas essa todo mundo herda de alguém, ou desenvolve o código genético sozinho. A segunda é um pouco mais específica, mas muito complementar à primeira.

Falar outro idioma. Comunicar. Existe alguma coisa de incrível em falar com alguém do outro lado do mundo e esse alguém entender. O fato de duas pessoas completamente estranhas em tudo uma à outra sentarem e se entenderem. Elas conversam por algumas horas, elas vão embora, elas nunca mais se encontram. Mas elas conversaram, elas se entenderam, elas falavam outra língua.

Também me fascina a capacidade do nosso cérebro em se flexionar de tal forma que você entende palavras e construções de frases que não tem nada a ver com aquilo que você aprendeu, fala todo o dia e simplesmente é natural pra você. Existe um ponto que você para e pensa: “eu estou entendendo uma outra língua, eu não estou traduzindo, eu estou entendendo!”

Nossa, como esse ponto é maravilhoso! A primeira vez que eu tive essa percepção com o inglês, eu fiquei em um estado (interno) de graça que eu segurava um sorriso bobo. Você entende? Uma pessoa que nasceu em um país completamente diferente do meu, que come ovos e bacon pela manhã, assiste baseball e acha que mora no melhor lugar do mundo sentou, conversou comigo, me contou histórias e eu entendi! Tem sotaques no Brasil que eu não entendo, o próprio sotaque português é um esforço pra entender, mas a moça do país do fast food, ela eu entendi!
É muito louco isso!

Morando aqui na França, óbvio que isso aconteceu, e algumas vezes eu entro nesse lapso de pensar que eu estou entendendo tudo o que se passa ao meu redor e me maravilhar.

Mas o francês não chegou pra brincar. Ele chegou pra matar.

Eu digo que falo espanhol mas na verdade eu falo o bom e velho portunhol de todos nós da América do Sul. É poquito, copito, mi casa, su casa, Shakira, Shakira. E tudo ia bem. Eu me desenvolvia no portunhol.

Até que la France chegou no meu cérebro. E a língua ANIQUILOU a minha capacidade de embromar uma língua. ELA MATOU!
Por algumas vezes cruzei com hispano-hablantes e sempre, sempre tive que responder a pergunta do Hablas Español?. Respondia com um Hablo Portuñol!, e começávamos (eu mesma) a embromar.
Depois de 4 frases, eu percebia que eu não estava embromando coisa nenhuma. Eu estava falando francês usando alguns pronomes em espanhol. Quanta vergonha eu já passei, minha gente!

Outra língua que o francês está matando (até porque acabaram as línguas que eu falo) é o inglês. Mas como a disputa inglês-francês é histórica,  o inglês resiste, mas não sem apanhar por uns 30 minutos.  Eu começo misturando as duas línguas até que o meu cérebro foca na que eu quero e eu começo a falar.

Por essa eu não esperava! Na verdade eu achava que seria o oposto, seria mais fácil de falar espanhol por causa do francês, e que o inglês nem entraria na jogada…mas a vida é uma caixinha de surpresas, não é mesmo?

O francês matou o meu espanhol e está matando o meu inglês. E eu não me importo. Na verdade eu acho esse assassinato bonito. Ele mostra quanta força ganhou um pequeno sonho de adolescência que eu tive e alimentei. Mon petit assassino em série <3

À bientôt, e Perdoe o meu Francês!

perdoeomeufrances

2 thoughts on “ANIQUILAÇÃO

  1. Não tinha lido esse e gostei demais!!!
    Interessante ver isso acontecer logo com você, que o Inglês prevalecia sempre!!’
    Adorei o texto ❤️

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